quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Condessa de Ségur


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A ela ficámos a dever alguns dos mais belos romances para crianças e jovens de sempre, embora as opiniões acerca da sua forma de escrita se dividam entre reaccionária e inovadora...Sofia Trostopchine
Sofia Trostopchine nasceu em S. Petersburgo, no dia 19 de Julhos de 1799, o mesmo dia em que foi baptizada, tendo por padrinho o czar Paulo I. A família era uma das mais conceituadas da Rússia. O pai tinha casado aos 30 anos com uma jovem de 18 anos de idade, frequentavam a Corte, e era amigo do príncipe herdeiro, que o iria nomear Ministro dos Negócios Estrangeiros e Comunicações após a sua subida ao trono.
No entanto, o reinado de Paulo I foi de curta duração, devido à sua loucura. A família de Sofia retirou-se então para Voronovo, em 1801, uma quinta de ambiente requintado. A pequena Sofia era a mais nova de três irmãos e aos quatro anos já falava russo, francês , inglês e alemão e começava a escrever nestas línguas. Era considerada uma criança loura e bonita.
Nomeado Governador Geral de Moscovo, o pai de Sofia muda a sua família para a capital, mas com a invasão de Napoleão, o conde Rostopchine dá ordem para que a cidade de Moscovo seja incendiada e refugia-se de novo em Voronovo, onde toma uma atitude única: libertar os servos.
Depois de ter sido aclamado como herói por salvar a cidade, foi depois acusado de ter agido de forma errada. Muda-se então para Paris, onde Sofia vem a casar, aos 20 anos, com Eugéne de Ségur, de 21.
Nasce o primeiro filho, Gaston, que vem a adoptar uma vida eclesiástica, contra os desejos da mãe. O segundo filho morre com poucos meses de vida, o que leva Sofia a enclausurar-se num castelo, oferta do pai como prenda de casamento, "Les Nouettes" que lhe vai servir como cenário para as suas histórias e como local para criar os netos.
A morte do pai foi outro duro golpe para Sofia, pois com ele mantinha um contacto por carta que a confortava das agruras da sua vida em Paris, onde nem a sogra a aceitava, considerando-a sempre demasiado provinciana.
Com o marido, um homem frio e gastador, a vida também não era feliz e mais se azedou quando o conde enviou o filho mais velho para um internato, contra os desejos de Sofia.
A última das suas filhas nasceu em 1835, num parto difícil que a levou ao leito por três anos.
A primeira alegria acontece no ano de 1848, quando nasce a primeira neta. Sofia é uma avó carinhosa. Decide então escrever um livro com conselhos sobre a forma de tratar a saúde e educar as crianças. É o primeiro passo para um contrato com uma editora, que a vai ajudar, através da escrita, como refúgio económico.
A morte de Eugene, deixa-a numa situação precária, o que a leva a mudar de casa para um pequeno apartamento de apenas três divisões. Com a saúde cada vez mais precária, Sofia tem de caminhar com o apoio de uma bengala. No dia 9 de Fevereiro a Condensa de Ségur morre no seu quarto segurando a mão do filho mais velho.
As suas reflexões incluem também os trabalhadores e as mulheres, que considera "fazedoras de costumes". Deixou-nos um enorme tesouro com livros como "Memórias de um Burro", "A Pousada do Anjo da Guarda", "Novos Contos de fadas", "Meninas Exemplares", dedicado às netas Camila e Madalena, entre muitas outras jóias.


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O PROCESSO CIVILIZADOR DE SOPHIE DE SÉGUR: UMA AVENTURA 
EDITORIAL ENTRE DOIS MUNDOS
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Andréa Borges Leão 
UFC 
dealeao@secrel.com.br  
Resumo: O objetivo da comunicação é colocar a literatura infantil da escritora Sophie de 
Ségur à prova da teoria do processo de  civilização elaborada pelo sociólogo Norbert 
Elias. Os conceitos estruturantes postos na obra do sociólogo, como autocontrole dos 
afetos, configuração social e interdependência são convocados para a análise das 
publicações francesas e adaptações brasileiras da obra seguriana.  Na trilogia da autora 
─ Sofia, a desastrada, As meninas exemplares e As Férias ─ encontra-se formulada uma 
teoria da interação social, o que é um convite para repensar as fronteiras entre 
autocontrole, censura e relaxamento nas situações de interdependência entre crianças e 
adultos.   
Palavras-chave: Literatura infantil; processo civilizador; Sophie de Ségur  



A Condessa Sanguinária



Há, de facto, uma aura sanguinolenta a pairar sobre a cabeça de certas condessas. Além da Erzsebeth Bathory, a condessa-vampira sobre a qual escrevi aqui, também temos a Condessa de Ségur, que igualmente exerce em mim uma espécie de fascinação. Lembrei-me disto hoje à tarde, em que conversava com uma amiga minha e, entretidas na Fnac a olhar para os livros, nos deparámos com um exemplar do General Dourakine, da Condessa de Ségur. Deve ter sido dos livros desta senhora que mais li. Não me lembro bem, bem da história, mas tenho uma imagem algo vívida de que as cenas de chicotada (chicotada literal, isto é, pancada efectuada recorrendo ao uso de um chicote) eram inúmeras. Quando alguém fazia uma coisa mal (criança, criado, a má da fita), pimba, o castigo era chicotada de arrancar a pele. Depois havia a personagem do General Dourakine, que era apresentado como homem de grande coração, embora o adjectivo que mais se utilizasse para o descrever fosse "colérico"; era daquelas personagens de quem as criancinhas deveriam gostar porque, apesar de andar sempre aos gritos e desancar quem não fazia exactamente o que ele queria, era uma boa pessoa. Tenebroso.

Também me lembro do Bom Diabrete (acho que era assim que se chamava) e da Irmã do Inocente, este último uma coisa crudelíssima, de faca e alguidar, em que um pobre idiota de bom coração faz disparate atrás de disparate, é troçado por todos e amado por ninguém, a não ser a irmã, e no fim morre. Já não me lembro exactamente de qual a pedagógica mensagem que eu deveria ter aprendido com esta história, mas haveria uma, com certeza.

Não tendo evidência nenhuma do que vou dizer a seguir, a minha teoria é, porém, que a Condessa de Ségur tinha um pendor para a crueldade que seria talvez interessante estudar psicologicamente. Nem tudo é negativo, no entanto; lembro-me de que, no General Dourakine, aparecia às tantas uma certa personagem, pobre e entristecida, mas muito bondosa, que tinha fugido à Sibéria e era uma espécie de refugiado político, a quem o General dá abrigo, permitindo até que case com a neta, apesar da penúria do tal refugiado. Isto é edificante, há que admitir.

E há também que admitir que não é apenas a Condessa de Ségur que evidencia um certo comprazimento com a faca e alguidar; ainda no outro dia estava a reler uma edição de contos infantis de que gosto muito, porque tem ilustrações do Gustave Doré (vide imagenzinha) - adoro o desenho a carvão, cheio de pormenor e expressividade, deste senhor. E, dizia, estava entretida a ler os contos infantis e a constatar a sua violência incontida - o pai do Polegarzinho que abandona os filhos na floresta, para morrerem à fome ou comidos por uma fera; o gigante que quer comer os meninos; a bruxa da casinha de chocolate que mantém o Joãozinho preso numa jaula, na engorda, para o assar e comer; o temível, absolutamente criminoso Barba-Azul, que tem uma sala ensaguentada em casa onde guarda os cadáveres sanguinolentos das suas ex-mulheres, que ele próprio matou(!). Sinceramente, isto dito assim parece mais digno do jornal O Crime do que outra coisa.

E, no entanto, é engraçado como sou muito mais sensível a esta tal violência agora, na idade adulta, do quando lia estas histórias quando era pequena, em que o mundo maniqueísta onde Bem e Mal se digladiavam com toda esta intensidade fazia sentido.
Por isso é que me parece uma estupidez que se amenizem as histórias infantis (o Lobo Mau que não morre no fim nem come a Avózinha porque esta se esconde no armário, por exemplo); acho que faz parte da infância ver o Bem a vencer o Mal, violentamente, e ainda que seja apenas nas histórias.

Mas enfim, nada disto diminui a minha perplexidade relativamente à crueldade e chicotada e pancada e tortura de animais e quejandos que podemos ler nos livros da Condessa. Embora, entre esta última e a asséptica e querida Anita, eu prefira sem dúvida a Condessa sanguinária.

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